quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Faço da palavras da Silent Raven as minhas...!


“Que as Trevas Sejam Misericordiosas” ou Os Fascinantes Mundos de Anne Bishop

Aqueles que me conhecem há algum tempo (ou há tempo suficiente para serem bombardeados pelas minhas sugestões literárias) sabem que, entre livros, livros e ainda mais livros, há um nome que se destaca como incondicional favorito. Aquele de que não me canso de falar. Aquele que apresento a todos os que comigo convivem como o mais especial entre especiais. Aquele que me fascina, me cativa, me comove e que, ao virar da última página de cada livro, deixa sempre para trás aquela sensação de vazio e de saudade imediata. Todos temos um autor que nos marca de forma mais profunda. Para mim, é Anne Bishop que ocupa esse lugar. Claro que, inevitavelmente, a pergunta que se segue será Porquê. E devo avisar desde já que as minhas justificações serão múltiplas e nem sempre racionais. Um lugar de predilecção – pelo menos, no meu mundo – não se prende apenas com certezas e razões. É do que fala ao coração que se trata. E é de alguém, de uma obra, de um mundo especial para mim que vou começar agora a falar. Sejam, por isso, bem-vindos ao mundo da minha grande paixão.

O primeiro contacto
Tudo começou com mais uma das minhas habituais deambulações por uma livraria, percorrendo, com a habitual sensação de tanto haver para descobrir, as figuras arrumadinhas dos livros à minha volta. E um título atraiu o meu olhar. Filha do Sangue. Com o meu fascínio por tudo o que possa evocar ambientes sombrios, tinha inevitavelmente de saber mais sobre esse livro de capa agradável e título apelativo. O passo seguinte, claro, foi ler a sinopse. E aí, mais que a caracterização do mundo, atraíram-me os nomes. Saetan. Daemon. Lucivar. Todos eles me falavam ao imaginário como bases para algo de grande potencial. E claro que não poderia saber o que estes nomes acabariam por significar no meu mundo de paixões literárias… mas o facto é que o livro foi comigo para casa. A leitura foi envolvente e surpreendente. O mundo sombrio, complexo, com uma hierarquia deliciosa e personagens tão vastas no seu potencial sobrenatural como na sua devastadora humanidade, conquistaram com a maior das facilidades um lugar no meu coração. E, de livro em livro, de situação em situação, o mundo das Jóias Negras – e, principalmente, os seus habitantes – conquistaram no meu coração um lugar de incondicional soberania.

Uma voz que fala ao coração
Se há algo de inevitável quando leio um livro de Anne Bishop é o facto de, mais cedo ou mais tarde, acabar em lágrimas de emoção. Para mim, a autora tem um dom impressionante no que respeita a criar momentos intensos e comoventes, e isto aplica-se tanto a momentos mais “pessoais”, importantes mais para as relações entre algumas personagens, como a momentos de extrema relevância para todo o curso do sistema. Momentos poderosamente negros e profundamente dilacerantes como a mais tenebrosa dança do Sádico (em Rainha das Trevas) são choque puro e falam directamente ao coração com a agonia e a angústia de uma escolha inevitável, mas que, para um bem necessário, acabará, talvez, na destruição de algo na alma do seu protagonista. Mas também os breves momentos de ternura, a infinita compreensão na relação tardia entre um pai e dois filhos, e até a dúvida aterradora face a um possível descontrolo capaz de ferir as pessoas mais amadas (como o poderoso momento de culpa em Aliança das Trevas) apelam às mais intensas e mais genuínas emoções da alma. Para mim, isso é muito do que procuro num livro. É algo de essencial e Anne Bishop apresenta-o como poucos autores.


As personagens
Ainda no que toca ao aspecto emocional (mas não só), há uma força poderosa na criação das personagens que Anne Bishop apresenta, principalmente no que ao mundo das Jóias Negras diz respeito. São figuras por quem é extraordinariamente fácil sentir empatia e que, livro após livro, nos fazem sorrir e sofrer com eles… Mesmo quando despertam o temor de que, mais cedo ou mais tarde, o fim definitivo possa talvez, surgir, pela mão de uma qualquer ameaça. E o maravilhoso em tudo isto é que a autora não se limita a apresentar protagonistas complexos e humanos. Se é, muitas vezes, a família SaDiablo o centro das atenções, não é, ainda assim, apenas neles que reside o fascínio deste mundo. Vilões ambiciosos, elementos aparentemente secundários, mas que, com as suas intervenções no momento ideal, deixam também a sua marca, dão a este mundo uma maior base de pontos de interesse. Conhecemos com toda a clareza (ou quase) a família SaDiablo. Mas figuras como Karla e Kaelas acabam por ocupar também um lugar especial na memória, pelos bons momentos proporcionados.

Saetan Daemon SaDiablo
Não uma personagem, mas duas, já que este nome está ligado a dois dos mais fascinantes e importantes elementos de todo este mundo. Duas figuras que, para mim, ocupam também o lugar de favoritos neste mundo de personagens tão interessantes. Saetan, Senhor Supremo do Inferno, marca principalmente pela sua suave paciência, apesar da vastidão do seu poder (e das histórias a ele associadas) e pela devoção paternal que o florescer da relação com Daemon e Lucivar (e, de certa forma, com Jaenelle) revela no seu carácter habitualmente austero. Daemon Sadi, por sua vez, é todo ele uma força de fascínio. Poderoso para lá do imaginável, com uma natureza que lhe valeu a alcunha de Sádico (personalidade que representa, por si só, um papel de extrema relevância em alguns dos melhores momentos deste mundo), revela, contudo, uma vulnerabilidade devastadora, uma humanidade admirável e um lado emotivo capaz de uma entrega sem limites. Figuras de uma intensidade dilacerante… mas de uma natureza admirável em tantos aspectos, que é quase impossível não sofrer com eles, sorrir e chorar com eles… e, ao virar da última página, sentir saudades deles.


Um estranho mundo animal
Um dos elementos mais ternos e divertidos destes livros está no mundo dos Parentes. Com o aspecto de animais perfeitamente normais, estas criaturas deliciosamente fofas são bem mais que isso e, com a linhagem do Sangue (e, obviamente, os poderes a ela associados), têm capacidades… intrigantes. Ainda assim, não é aí que reside o melhor destes elementos. A verdade é que são eles a proporcionar os momentos mais leves e divertidos dos livros, a inserir aquela quebra de tensão tão desesperadamente necessária quando tudo parece negro. Ladvarian, cujo “Papá Senhor Supremo” mudou (para melhor) a minha visão de Saetan. Kaelas, com o seu instinto protector para com Jaenelle (e com consequentes momentos constrangedores na sua relação com Daemon). E até Colmilho Cinzento, com a sua… curiosa… obsessão com Surreal, são elementos de ternura e de diversão que dão ao mundo das Jóias Negras um delicioso elemento de humor.


Para lá das Jóias Negras
Mas há mais nos mundos de Anne Bishop, para lá das Jóias Negras. Ainda que sejam estes os meus incondicionais favoritos, também em Efémera se encontram os mesmos elementos que tornam tão especial a obra desta autora. Sebastian, um protagonista fascinante. Todo o mundo de Efémera, com as suas múltiplas paisagens, criando um cenário complexo e cheio de potencial. Um final poderosíssimo, capaz de despertar sentimentos até para com o vilão. E essa força emotiva que é tão bela e tão marcante em tudo o que até agora li desta autora. Talvez seja algo de pessoal esta espécie de sentimento que estes livros sempre despertam dentro de mim. Afinal, nem todos gostamos e valorizamos as mesmas coisas (e ainda bem). Ainda assim, são estes, fundamentalmente, os meus motivos (pessoais e intransmissíveis) para ver no trabalho desta autora uma linha directa para o que mais profundamente me comove. E porque, às vezes, também é a emoção que importa, sei que, por mais que venha a ler nos anos que seguramente virão, Anne Bishop ocupará sempre no meu coração um lugar… muito especial.


Texto da autoria de Carla Ribeiro (também conhecida por Silent Raven), escritora de vários livros e autora do blog literário As Leituras do Corvo e retirado do blog Estante de Livros

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