quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Entrevista a Carina Rosa


Fala-nos um pouco sobre ti.
É sempre a pergunta mais complicada. Eu própria sou complicada. Sou bastante reservada, tímida e um pouco anti-social (risos). Gosto do meu mundinho à parte, do meu computador, da minha imaginação e das minhas palavras, e sou capaz de ficar dias fechada em casa a ler ou a escrever. Por outro lado, sempre gostei muito das artes em geral, e isso leva-me a amar o cinema, o teatro, a dança e a ginástica, onde estive inserida ao longo de uma vida, como atleta de alta competição. Gosto do silêncio e da solidão, de ter o meu espaço e o meu tempo e de pensar na vida...talvez demasiado, até. Não sou de noitadas, nem de grandes saídas à noite (é um mundo que me aborrece, confesso), mas adoro uma boa noite de dança, esporadicamente, e de estar com os meus amigos e a minha família. Sou muito apegada à família e sem ela não seria nada do que sou hoje. Não gosto de grandes exposições ao público e acho que isso era o pior aspecto de ser uma atleta de alta competição. As multidões sempre me assustaram e é esse o lado mau de nos reconhecerem e avaliarem, e de esperarem tudo de nós. Sinto o mesmo em relação aos livros. O meu maior prazer neste mundo é estar por detrás do computador a sonhar e a debitar palavras, a criar outro mundo, outra vida, outras personagens. Já gostei menos de apresentar o meu trabalho ao público (penso que é algo a que nos vamos habituando) mas é aqui que sou mais feliz... escondida, no fundo.
Sou muito organizada e muito competitiva e exigente comigo mesma. Estou sempre a traçar metas e objectivos, e tenho sempre medo de não ter tempo de os cumprir. Muitos dizem que sou estranha...uma espécie de ave rara, que não sai, não bebe café, nem álcool, não fuma e, portanto, deve ser um ser de outro planeta (risos), mas a verdade é que sou viciada em tanta coisa que não teria tempo para esses vícios mais comuns: viciada em livros, viciada na arte, viciada no amor que tenho à minha família e aos meus amigos e, estranhamente, viciada no trabalho. Gosto de trabalhar. Não me dá prazer estar mais do que uma semana de férias (ok, podem chamar-me estranha agora), mas começo desesperadamente a sentir falta de fazer as coisas de que gosto, seja dar aulas de ginástica ou escrever...ou manter-me ocupada em qualquer coisa. No fundo, nunca apreciei bem o lazer, talvez por nunca ter tido tempo para ele, enquanto treinava. Sinto necessidade de me manter sempre ocupada e tive sempre a sorte de fazer aquilo que gosto. Costuma dizer-se: “Arranja um trabalho de que gostes, e nunca terás de trabalhar na vida”. É isso que sinto: tudo o que faço não é trabalho, não é obrigação, e portanto, não é penoso: é prazer, um gosto e uma paixão.

Como entrou a escrita no teu dia-a-dia?
Não me lembro exactamente do momento, mas deve ter sido muito cedo, porque tenho uma mensagem de uma professora de primária escrita num dos meus cadernos de escola, que me diz: “Sempre que quiseres escrever, escreve”. Sempre fui uma naba em números e acho que isso me virou para as letras. Lembro-me de escrever poemas de amor, na época da adolescência, e de tentar por diversas vezes escrever um romance, mas a ginástica e a escola ocupavam-me imenso tempo e eu nunca consegui fazê-lo, também porque, verdade seja dita, nunca acreditei que pudesse fazê-lo. Não queria escrever um romance por escrever, queria fazê-lo bem, e eu já era viciada em livros, que a minha mãe me comprava e que acabaram por empilhar as minhas estantes. Começou por comprar-me as colecções inteiras dos livros da Anita, depois de Uma Aventura e, mais tarde, romances contemporâneos, e eu agradeço-lhe muito por o ter feito. Acho que me tornaram muito sentimental e capaz de sonhar, como muitos jovens não são capazes de fazer hoje em dia. No entanto, eu sentia nos livros um sabor agridoce, porque não me bastava lê-los, não era apenas entretenimento, era aprendizagem. Eu queria fazer o mesmo. Eu queria ser capaz de escrever assim, porque eu já amava escrever. Costumava dizer à minha mãe que queria ser escritora e ela incentivou-me a entrar num curso de letras. Eu acabei por escolher Ciências da Comunicação e licenciei-me na Universidade do Algarve. Trabalhei como jornalista em alguns jornais impressos, numa televisão online e numa rádio, até finalmente me decidir: “Vou mesmo fazer isto. Desta vez, vou escrever um romance”. E foi desta minha força de vontade que surgiu «O Intruso», o meu primeiro romance, publicado em 2012.

Como te sentiste ao tornares-te uma autora publicada?
Feliz e simultaneamente incrédula. Não esperava que acontecesse tão rápido. É uma sensação estranha dar ao mundo algo que, um dia, foi-nos tão íntimo e escondido. Quando estou a escrever, não penso em publicações. Envolvo-me de tal forma na história que só penso naquele mundo, nos meus personagens, naquilo que lhes vai acontecer. É quase como ler um livro do qual gostamos muito: às tantas, esquecemos-nos de quem somos e onde estamos, que aquele pedaço de papel é um livro, não a nossa vida, e que investimos nele. Só quando começo a enviar os manuscritos para os meus leitores-beta e depois para as editoras é que me começa a crescer outra sensação dentro do peito: um nervoso miudinho. “Será que me vão aceitar?” “Será que vão gostar?” “Será que vão ver esta história como eu a vejo e amá-la como eu a amo?” Por vezes, os outros, os isentos da história, não vêem as coisas da mesma forma que nós, autores, as vemos, e daí a importância dos leitores-beta. É bom ter um livro publicado, que as pessoas possam ler e opinar. Sentimos que a nossa história é real e que as pessoas nos reconhecem. Isso é bom, mas continuo a dizer que não há nada melhor do que o acto de escrever e amar aquilo que escrevemos. Acima de tudo, escrevo para mim, para que eu goste, mas é óbvio que desejo sempre que os leitores sintam o mesmo.

Identificas-te com algumas das tuas personagens?
Muito. Algumas mais do que outras. Adoro caracterizar personagens problemáticas, porque também eu sou um pouco assim. Sempre tive uma péssima auto-estima e sou uma pessoa cheia de medos e inseguranças, e é por isso que as minhas personagens favoritas são as mais complicadas. A Sara, do «Intruso», tem muito de mim, e quem me conhece, vê-me um pouco na história, e já tenho em mente uma outra personagem que quero criar para um novo romance, que, se tudo correr bem, vai ser uma das minhas preferidas, dentro das mais invulgares. Mas tenho tentado cada vez mais criar personagens versáteis. Também adoro escrever sobre pessoas que nada têm a ver comigo e criar personagens que eu nunca seria. Algumas nunca desejei ser, mas outras têm um pouco daquilo que eu gostaria de ter. Gosto de observar os outros e escrever sobre eles, mesmo que não tenham personalidades que se encaixam na minha.

Quais são as tuas referências e inspirações enquanto escreves?
Depende da história e daquilo que eu quero escrever. Mas acima de tudo, sou uma autora de romances contemporâneos e actuais. Inspiro-me naquilo que observo, sejam pessoas a passear na rua, a conversar entre si ou a ter uma atitude invulgar qualquer que me faz pensar numa história. «O Intruso» e «O Escultor», este último em fase beta neste momento, são os únicos romances que escrevi, até ao momento, completamente fictícios: o primeiro baseado em algumas crenças que eu tenho e temas que sempre me fascinaram, como a vida após a morte e a reencarnação. O segundo, um romance policial, a minha estreia no género, que me surgiu quando abri um e-mail sobre um festival de esculturas em areia, quando estava na redacção do jornal em que trabalhava. «As Gotas de um Beijo» - publicado em 2013 - e o «Anjo do Diabo» - título ainda provisório – (em fase beta) são fictícios, mas com uma base real, porque tratam histórias de vida e de pessoas reais, que eu observei e moldei a meu gosto. Inspiro-me nas pessoas, nos lugares, no silêncio e na música, que eu adoro. Como referências, tenho muitas. Tenho conhecido autores fantásticos e com os quais me identifico, nomeadamente Natasha Solomons, Emma Wildes, Paullinna Simons, Nicholas Sparks e Nora Roberts, Célia Loureiro ou Liliana Lavado e mais recentemente, Tracey Graves, que muito me têm ensinado. Acima de tudo, tem de ser uma história que eu deseje escrever, seja para mudar mentalidades, seja para fazer sonhar o leitor com uma bonita história de amor. Tem de ter um objectivo e, geralmente, é sempre o amor e a importância que tem na nossa vida. Se não falasse de amor, do que falaria? O amor é a coisa mais importante do mundo, que nos faz viver e sonhar e que nos ensina a ter esperança, mesmo nos dias mais desesperantes.

Qual é que achas que é o papel da blogosfera em geral na divulgação literária?
Tem um papel muito importante. Se não fosse a blogosfera, ninguém conheceria «O Intruso» e, posteriormente, os meus restantes romances. Sem a blogosfera, eu nunca teria conhecido os meus leitores-beta, que tanto me têm ajudado a melhorar os meus romances e com os quais aprendi imenso. Os blogs literários têm um papel fundamental na divulgação dos livros, sejam lançamentos, sejam opiniões, e são plataformas fundamentais para aliciar os leitores a ler as obras. São também muito importantes na divulgação de autores, e principalmente, autores principiantes e desconhecidos, que nunca teriam uma oportunidade se os blogs não os dessem a conhecer.

Tens recebido feedback dos teus leitores na descoberta da tua escrita?
Sim, muito, e felizmente, tem sido um feedback muito positivo, mais do que esperava. Não fazia ideia de que tinha uma escrita poética e cativante, capaz de agarrar o leitor, como se diz por aí, e é muito bom ouvir esses elogios e saber que fizemos os leitores felizes com a nossa história, nem que por algumas horas.

Tens algum plano literário para o futuro?
Gosto de pensar nas coisas passo a passo, embora nestas artes da escrita, tenhamos sempre de pensar a longo prazo, porque um livro leva imenso tempo a escrever e depois a rever, e se queremos um dia arriscar dá-lo ao mundo, tem de ser um trabalho contínuo e sem grandes pausas, desde que a inspiração ajude. Gostaria muito de publicar o meu «Anjo do Diabo» no final deste ano. É uma obra que está pronta há algum tempo e falta apenas limar algumas arestas para a lançar aos lobos. É um romance muito especial para mim, que eu adorei escrever. Trata a história de Clara, uma mulher de trinta e dois anos que acaba por sucumbir ao poder de um casamento tradicional, baseado nos princípios da fidelidade e do amor, depois de uma relação instável que marcou grande parte da sua vida. Clara é, no entanto, tudo menos aquilo que aparenta. Por detrás da mulher e da mãe que se esforça por ser, esconde segredos e sonhos que deixou para trás e, entre eles, um homem, que tenta esquecer. Este homem vai voltar e vai querê-la de volta, mas estará Clara disposta a regressar ao passado e perder tudo aquilo que construiu? É um triângulo amoroso forte, entre o passado e o presente, o certo e o errado, a diferença entre o amor e a paixão e aquilo de que temos de abdicar, por vezes, pela nossa felicidade. Trata também de temas como a violência e a descriminação, e a importância da família e da amizade. É uma história de amor e de perdas, de perdão e de segundas oportunidades, que me encheu o coração. Vamos ver como as coisas correm.
Entretanto, tenho o meu romance policial escrito, «O Escultor», e está neste momento a ser avaliado. Trata a história de Mariana, uma mulher pobre e arrogante, que sente que o passado a envergonha e tenta esconder por baixo das roupas e dos sapatos caros a sua baixa descendência. Ambiciosa, fugiu de casa para encontrar uma vida melhor e é hoje directora de uma galeria de arte, com muito mais do que algum dia julgou ter. Mas o dinheiro tem um preço e ela vai pagá-lo quando o homem que lhe deu tudo ameaça destruí-la. Depois temos André, outra das personagens principais, um jovem agente da PJ, treinado para combater no corpo de intervenção, com um passado ligado a um desaparecimento misterioso. Agente de investigação criminal, vai fazer de tudo para encontrar aquilo que procura e que o atormenta à noite. No dia em que Mariana comete um crime horrível, a sua companheira de casa, Alice, desaparece repentinamente e os destinos dos dois vão cruzar-se. Para Mariana, ele é apenas um agente e um homem bonito que lhe pode destruir a vida. Para ele, ela é muito mais do que isso. E é nos braços um do outro que ambos vão baixar as suas defesas e calar os fantasmas do passado, entre ameaças, bilhetes anónimos e um homem tão ligado à arte quanto ela, que os pode destruir a ambos. Estou a sorrir ao escrever isto. Isto porque adoro a história e os personagens que criei. Sou suspeita, mas espero que a história (que me levou cinco meses a escrever) tenha o final que merece. Depois de receber as opiniões de que preciso, voltarei a trabalhar nela.
Enquanto não o faço, penso já numa história que tenho na cabeça há algum tempo e que me está a atormentar. Se for bem escrita, acho que me vai fazer muito feliz, porque tanto a história como os personagens se enciaxam naquilo que eu mais gosto de escrever: problemas, traumas, sofrimento e amor ao mesmo tempo, a hipocrisia da beleza na sociedade em que vivemos e a importância daquilo que somos, na alma, para além do corpo, e daqueles que nos conseguem ler para além da capa. Não quero adiantar muito mais sobre esta história, porque é ainda um feto num ventre, mas em princípio, tratará de temas como o excesso de peso, o bullying nas escolas e a pedofilia, e o que uma infância e uma adolescência infelizes podem fazer a alguém. Acima de tudo, falará do verdadeiro amor e daquilo que tem de enfrentar, por vezes, aos olhos da sociedade. Se tudo correr bem, vai ser uma história de amor muito bonita.

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