Fazia
um voo baixo a uns dez metros do solo. Era engraçado ver a reacção das pessoas
quando viam o meu disco voador aproximar-se. Alguns fugiam em pânico, outros
apontavam para o céu com cara de espanto, outros ajoelhavam-se pensando que se
tratava de uma manifestação divina.
Os
frequentes rebanhos de animais que surgiam fugiam, com a aproximação da minha
nave, para desespero dos seus pastores.
Não
sabia ao certo em que tempo me encontrava, mas acho que recuei no tempo mais de
mil anos e encontrava-me agora a voar algures sobre o Médio Oriente. Não estava
muito preocupado com o onde e o quando. Apenas desfrutava a viagem.
Precisava
de fugir à realidade, às mágoas do arrependimento e ao sofrimento que me
impingiram. Por isso desejei uma máquina do tempo, para poder recuar atrás e
corrigir os erros do meu passado. Então, uma noite, acordei sobressaltado com
luzes na janela. Levantei-me rapidamente num misto de medo e adrenalina. Seria
um assalto? Pensei. Segurei numa faca de cozinha e corri para a porta de
entrada.
Mas
quando saí para fora lá estava ela. A máquina que tanto desejei, em forma de
disco voador prateado. Ouvia-a falar comigo telepaticamente. Como se tivesse
consciência própria e me conhecesse bem. Não senti medo, embora não soubesse
como foi ali parar nem tão pouco de onde veio. Sabia apenas que era uma coisa
de outro mundo e estava ali por mim.
O
chamamento era tão forte que não hesitei em entrar. A nave era
controlada pelo meu pensamento e por isso, apenas desejei partir. Era uma
tecnologia fascinante, parecia que a minha mente se tinha fundido com a própria
máquina. Perante a minha ordem levantou voo rumo a um destino longínquo. Não
sei para onde. Apenas ordenei que fosse para longe. Assim foi. E desde então
tenho vindo a vaguear por tempos e terras diferentes.
Dentro
daquele disco voador tinha todas as comodidades de um apartamento de luxo. No
centro do aparelho existia uma enorme sala de convívio, com um bar recheado de
todo tipo de bebidas, sofás em toda a volta e um gigantesco ecrã que me dava
acesso a todos os canais do mundo e à internet. Optei por não usar essas
opções, decidi desligar-me mesmo da realidade.
Para
descansar, existia um quarto fabuloso que metia inveja a qualquer suite
presidencial de um hotel de cinco estrelas. Já a sala de comando era um local
mais sério. Sem decorações refinadas, apenas com algumas poltronas onde as
informações que a nave transmitia se tornavam mais técnicas. Estudei alguns
mapas astrais com rotas para outros mundos. Era um conhecimento espantoso!
Cheguei
a viajar até à lua. No entanto, o espaço tem tanto de belo como de assombroso.
A vastidão das estrelas é demasiado solitária. Uma solidão tão forte e tão
profunda que me assustou. Devido a isso não me aventurei a ir mais longe no
cosmos. Voltei para a Terra.
Foi
durante aquele voo rasante que o vi. No topo de um monte com o polegar
levantado a pedir boleia. Assobiava de forma descontraída. Parecia uma
personagem de uma comédia surreal.
A
nave parecia conhecê-lo e ele parecia já estar à espera. Decidi então fazer o
que a máquina queria. Parei e puxei o homem para dentro através de um raio de tracção que parecia saído de um
filme de ficção científica.
Assim
que entrou abriu os braços na minha direcção e curvou-se ligeiramente, como um
actor que agradece os aplausos. Era uma figura bastante desleixada. Usava uma
túnica já bastante gasta e suja. Era moreno, tinha o cabelo comprido e a barba
por fazer. A higiene também deixava muito a desejar. Os olhos eram de um
exagerado azul intenso, no entanto de uma beleza intensa e infinitamente
profundos. Parecia que me hipnotizavam. O mendigo esboçou um sorriso aberto,
tal como um velho amigo e abraçou-me.
–
Jesus!? – Disse-lhe incrédulo.
–
Que foi? Achas que exagerei no azul dos olhos? – Disse-me Ele, em tom gozão,
enquanto colocava as suas mãos sobre os meus ombros.
Senti
o corpo a ficar dormente. Creio que paralisei naquele momento possuído pelo
temor, ou pela emoção… Não sei explicar. Apenas gelei, sem conseguir mexer-me
ou falar. Então Jesus estalou os dedos e foi como um acordar para mim. Saí
imediatamente do transe e respondi:
–
Não é isso. Não estava à espera de Te encontrar... Tu és Jesus! És Deus! Que
queres de mim? – Apesar o temor que sentia, existia algo de muito familiar
nele. Estranhamente parecia que o conhecia desde sempre. Por isso tratei-O como
um velho amigo.
–
Não esperavas!? Típico. Era mesmo de prever. Então desejas uma máquina do
tempo, ela aparece-te à porta e tu esqueces quem ta enviou! – Repreendeu-me Ele
num tom áspero.
–
Mas eu perdoo-te. – Respondeu-me logo de seguida retomando o sorriso, de quem
estava a brincar.
–
Foste Tu que ma enviaste? – Perguntei ainda incrédulo.
–
Quem havia de ser! ET’s!? Fartei-me de te ver chorar a queixares-te da vida
fechado em casa. Deixa
que te diga que parecias uma menina mimada a lamuriar-se. Que espectáculo
degradante. Devias ter vergonha.
Baixei
a cabeça comprometido. De facto senti-me embaraçado perante aquela descrição.
Jesus,
esse, dirigiu-se ao bar da nave e tirou uma cerveja fresca. Perguntou-me se
também queria uma. Acenei-lhe que não e Ele continuou:
–
Como disse, estava fartinho de te ver choramingar pelos cantos. Por isso, quando
resolveste rezar-Me a implorar por uma máquina do tempo, achei no mínimo um
pedido original. Por isso e para te calar, decidi enviar-te uma.
–
Obrigado… – Respondi envergonhado.
–
Só não percebi uma coisa. – Disse Ele enquanto se sentava descontraidamente na
sala de comando a beber mais um gole de cerveja.
–
O quê? – Perguntei enquanto me habituava à ideia de ter ali Jesus à minha frente.
A confidenciarmos como dois amigos.
–
Porque não voltaste atrás para mudares o teu passado, tal como desejaste e em
vez disso, andaste por aí a passear no tempo?
A
pergunta calou-me. Um certo cansaço caiu em cima de mim. Sinceramente não sabia
o que responder…
–
Não sei... Medo… Cobardia, talvez... É tudo muito confuso. Mas Tu já sabes a
resposta, melhor do que eu. Sabes o que penso, o que vai na minha mente
magoada, porque me perguntas? – Respondi-lhe como se estivesse numa mistura de
consulta de psicólogo com uma confissão a um padre. Uma lágrima começou a
escorrer-me pelo rosto e eu limpei-a com a manga.
De
forma imprevisível Jesus deu uma gargalhada enorme e disse: – Bem respondido.
Embora fujas à questão. Mas confesso que gostei da forma como andas a assustar
pessoas com a nave.
Ri-me
também. – Sim, tem piada. – Disse.
–
Mas já te divertiste bastante. Não podes continuar assim. Está na altura de
tomares uma decisão. – A expressão de Jesus mudou. Tornou-se séria, quase
repreensiva. Como um pai que aconselha o filho. Senti os seus olhos a penetrar
a minha alma. Então perguntou-me novamente: – Porque é que ainda não alteraste
o teu passado?
–
Tenho medo de reviver aquilo que me fez sofrer. Mesmo que altere o passado,
vou-me lembrar de toda a dor que senti. – Respondi, enquanto mais lágrimas me
escorriam pelo rosto.
Jesus
colocou a mão sobre o meu ombro e esboçou um sorriso. Possivelmente o sorriso
mais reconfortante que vi na vida. Pois demonstrou que me compreendia e não me
condenava. O desabafo foi como se um peso me saísse das costas.
–
Sabes. – Disse Ele, como um sábio que dá um conselho. Afinal de contas Ele era
Jesus. Maior sábio não deve existir. – Quer queiramos, quer não, o sofrimento
faz parte da vida. Mas também a alegria. E podes acreditar em mim quando digo
que há mais alegria no mundo do que dor. Não podes viver escondido com medo de
sofrer, assim nunca conhecerás a felicidade.
Acenei
com a cabeça. Deixei que as lágrimas escorressem livremente. Sabia bem que o
que Ele dizia era verdade. O sofrimento está por toda a parte. Mas a vontade
humana de alcançar a felicidade é mais forte.
–
E acredita que de sofrimento percebo eu. Houveram uns fulanos que me crucificaram!
– Jesus brincou com a situação, embora mantivesse a expressão pesada. Foi então
a vez dele de baixar o rosto. – Seria fácil para mim simplesmente ir embora.
Ignorar o sofrimento porque devo passar. E depois? Quem seria eu sem a dor para
poder mostrar ao mundo o valor da felicidade?
Sentia-se
mágoa na voz dele. Eu concordei com aquelas palavras. Compreendi o segredo da
felicidade: O sofrimento faz parte da vida…
Houve
um longo silêncio. Quando finalmente nos olhamos, acabamos por sorrir os dois.
Bateu-me com as mãos nas costas e perguntou: – Que vais fazer?
–
Vou voltar a casa. – Disse-Lhe.
–
E o teu passado?
–
Não o vou alterar. – Respondi muito mais sereno. – Se alterasse aqueles erros
iria acabar por cometer outros. Prefiro viver com as consequências e procurar
ser feliz assim. Sem medos.
Ele
abraçou-me festivamente, como se comemorasse uma vitória. Eu retribuí e
festejei com ele. Também me senti vitorioso.
–
Podes deixar-me aqui. – Pediu Jesus. – Está na altura de cumprir o meu destino…
Assim
fiz. Os seus olhos profundamente azuis exibiam um certo orgulho. Pelo menos foi
assim que interpretei.
Então,
depois de Lhe agradecer imensas vezes. Parei a nave e baixei-O perto de um
vilarejo, junto a uma estrada.
–
Só mais uma coisa! – Falou enquanto o sistema de anti-gravidade O descia. –
Quando voltares para o teu tempo, deixa a nave num descampado bem longe de casa
e foge dali. Foge o mais rápido possível. É que ela pertence a uns tipos
cinzentos, pequenos, cabeçudos, de olhos esbugalhados e com muito mau feitio.
Eu trouxe-a sem pedir autorização. Roubei-a, compreendes? Portanto seria chato
se eles te encontrassem...
Acenei-Lhe
afirmativamente e não deixei de soltar uma enorme gargalhada. O Seu sentido de
humor não parava de me surpreender. Foi um conselho muito estranho para
terminar aquela aventura. Mas toda ela tinha sido assim, louca, no entanto
reveladora.
Por
isso concordei e tracei o meu caminho de volta. Estava na altura de voltar ao
presente, à minha vida, e fazer dela uma aventura onde o herói sou eu.
António Silva
3 devaneios:
Gostei de ler! Só eu estagnei com o meu e não consigo avançar! Acho que vou desistir, por agora, e depois logo se vê!
Faça uma pausa :D Vai ver que com as férias a inspiração volta! :D
Espero que gostem :)
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